sábado, 19 de junho de 2010

obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica - BENJAMIN

Introdução
A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, de Walter Benjamin, pensador alemão ligado à Escola de Frankfurt, reflecte sobre o sistema artístico tradicional do século XX. A questão central neste ensaio pode ser identificada como uma preocupação constante com as mudanças na forma de percepcionar o mundo, consequência do desenvolvimento tecnológico. Benjamin avalia os efeitos da produção, do consumo de massa e da tecnologia moderna, o estatuto da obra de arte, assim como as suas implicações às formas de arte e de cultura do seu tempo.
O facto da obra ter sido publicada originalmente em 1936, justifica a abordagem dos temas relacionados com a fotografia e com cinema, já que constituem as novas tecnologias da época.
De acordo com o autor a obra de arte possui uma aura, isto é, um aqui e um agora, devido à sua original imersão em rituais e em cerimónias religiosas. Esta aura certifica a sua autoridade e a sua exclusividade, a sua singularidade no tempo e no espaço. A obra de arte adquiriu a função de ritual, no seio de práticas religiosas. Assim, a sua aura está associada à religião até ao Renascimento. Foi durante este período que se iniciou a luta pela autonomia artística. Assim, tentava-se provar que a obra de arte tinha o direito de ser única, independente de qualquer consideração religiosa. Esta ideia reforçou-se durante o dadaísmo, o movimento da arte pela arte, em meados do século XIX. Este movimento reagiu acerca do despontar da industrialização capitalista e da comercialização da cultura e as ameaças que representavam à obra de arte.
Os efeitos da reprodutibilidade técnica preocuparam Benjamin. O primeiro exemplo apresentado no texto é a fotografia, pois permite uma grande variedade de cópias. A técnica da reprodução substitui a existência única da obra, através de cópias, abeirando-se do espectador. Com o cinema acontece o mesmo, mas de um modo mais soberbo.
O facto da reprodução parecer ganhar uma vida própria em relação à obra original remete-nos para o conceito de reificação. A reificação ocorre quando os significados se autonomizam e a sua dimensão subjectiva é esquecida O cinema e a fotografia mostram coisas que talvez nunca teríamos percebido, alteram a nossa percepção.
Para além de modificar o modo de percepcionar o mundo, a reprodutibilidade técnica permite abrir caminho para a uma nova forma de cultura: a indústria cultural. A obra de arte pode ter perdido a sua autonomia mas tornou-se mais acessível a um maior número de pessoas. O seu valor de ritual tornou-se agora valor de exibição.
A questão da Reificação

Todo o homem é um agente social pois está inserido no seio de uma determinada comunidade, atribuindo sempre um significado ao mundo. Uma sociedade implica a existência de uma determinada cultura e, a cultura, não é mais de que a partilha generalizada de significados. As culturas já existem antes de vivermos nelas, mas só existem porque as partilhamos. Mas como é que se transmite uma cultura sem a existência humana? A resposta reside no facto da cultura se tornar autónoma relativamente ao seu criador. A técnica é criada pelo homem para que este se possa servir dela mas, de certa forma, é a técnica que acaba por tomar conta de nós. Assim, a reificação acontece quando os produtos da actividade humana ganham vida própria. Todos os significados e os utensílios que o homem cria acabam por se reificar porque ganham vida própria independentemente da vontade de quem os criou. Quando se dá a reificação os significados autonomizam-se de tal modo que a dimensão sua subjectiva é esquecida. O significado primitivo das coisas desaparece, dando origem a um outro significado.
Durante o ensaio de Benjamin encontramos alguns elementos que se referem à questão da reificação. O termo propriamente dito surgiu já após a sua morte, depois da década de 40.

A destruição da aura e a reprodutibilidade técnica

Marx, ao estudar o modo capitalista de produção, previu o futuro do capitalismo, o seu estudo visou sobretudo a evolução da arte no seu contexto industrial. Benjamin refere que as teses de Marx afastam conceitos tradicionais como criatividade e génio, validade eterna e estilo, forma e conteúdo, conceitos importantes e que são tratados neste ensaio.
Desde a antiguidade, e durante centenas de anos, a criação de objectos de arte esteve intimamente ligada à questão da imitação. O artista imitava a realidade, principalmente a natureza, através do gesto de pintar. Os melhores artistas eram aqueles que reproduziam fielmente as características do objecto representado. A obra de arte foi sempre reprodutível na medida em que as acções do homem poderiam ser imitadas por outro homem.
Embora a maioria das obras de arte serem produzidas por encomenda, não eram feitas com o objectivo principal de serem comercializadas. Com o desenvolvimento da técnica, esta situação modificou-se. O gesto de pintar entra em crise e passa a ser possível a criação rápida e em grande quantidade de reproduções fiéis das coisas e das próprias obras de arte. Deste modo, as obras de arte passam a ser simples mercadorias, objectos para serem consumidos e não para serem apreciados.
De acordo com Benjamin, a principal característica da obra de arte é a aura que ela possui. A aura é o aqui e o agora da obra de arte. É a absoluta singularidade de algo (de um ser natural ou de um ser artístico). Ela nos é dada pela condição de um exemplar único que se oferece aqui e agora e que não se pode repetir. A aura possui uma qualidade de eternidade e de fugacidade em simultâneo. O facto da obra de arte estar inserida num contexto faz com que a sua participação na tradição lhe atribui um sentido, ou sejam, a sua autenticidade. Mas, mesmo com a mais perfeita técnica de reprodução, a autenticidade da obra de arte perde-se. Por mais que se tente, o momento da criação da obra de arte não pode ser retomado. É como se a reprodução da obra de arte ganhasse uma nova vida, independente da existência da obra original. O aqui e o agora deixam de existir e a aura da obra de arte extingue-se. A reprodução elimina o carácter único da obra de arte, isto é, a sua característica fundamental.
Se pela técnica podemos reproduzir obras de arte, ela constitui um ataque destrutivo à própria aura. Recorrendo aos exemplos da fotografia e do cinema, podemos ver que se torna impossível distinguir entre o original e a cópia, isto é, desfaz as próprias ideias de original e cópia. Aquilo que é autêntico é o verdadeiro e o que é reproduzido é considerado uma falsificação. A recriação e a imitação não alteram a obra de arte mas a sua autenticidade, fazendo perder o fim primário. O fim primário é alterado, alterando deste modo, o seu significado original.
O facto da aura da obra de arte se perder com a reprodução técnica implica alterações da percepção visto que a aura nos permite captar algo excepcional de uma coisa longínqua por mais perto que essa coisa esteja.
A reprodutibilidade da obra de arte tem como finalidade aproximar as coisas do ser humano, dando solução ao desassossego das massas modernas em possuir os objectos.
A unicidade da obra está relacionada com o ritual, com a tradição. As produções artísticas estavam relacionadas com a magia e com a religião. As obras de arte mais antigas possuíam uma conexão a rituais religiosos e mágicos.
Inicialmente, a obra de arte possuía um valor mágico, de culto e só mais tarde era reconhecida como um objecto de arte. O próprio homem e o meio onde se encontrava constituíam os temas mais frequentes dos objectos de arte da pré-história. Os objectos de arte eram criados de acordo com as exigências da comunidade. Esta técnica fundia-se totalmente com o ritual. Citando o autor, esta técnica emancipada confronta-se com a sociedade moderna sob a forma de uma segunda natureza, não menos elementar que a sociedade primitiva, como provam as guerras e as crises económicas. Esta segunda natureza é produto do homem, embora este já não tenha a capacidade para a controlar. Já ganhou vida própria, autonomizando-se do seu criador.
O desenvolvimento da técnica possibilitou a reprodução em série da obra de arte. Com isto, o valor de culto (a contemplação), ligado à aura da obra de arte, é substituído pelo valor de exposição. Assim, a exibição da obra cresce pela sua reprodução.
O cinema tem um papel fundamental na sociedade pois treina o espectador na busca de novas realidades e novas reacções. O cinema é para Benjamin o gigantesco aparelho técnico do nosso tempo, o objecto das enervações humanas.
O último suspiro da aura na estética contemporânea estava nas fotografias antigas de pessoas. Nelas se encontra o culto da saudade. A fotografia eterniza o momento em que as pessoas estiveram presentes. Quando as fotografias não possuem a figura humana o valor de culto é ultrapassado pelo valor de exposição. A foto de uma qualquer rua sem pessoas permite que cada um contemple a imagem que lhe é dada livremente. Mas, fotografias deste tipo, sem qualquer indicação apoquentam quem as observa. Assim, podemos dizer que o homem não quer pensar por si só. Não está habituado a pensar, mas sim que pensem por ele. Então, as imagens publicadas passam a ter obrigatoriamente uma legenda. Passa-se o mesmo no cinema, em que uma imagem é a continuação da sequência de imagens anteriores.
Graças ao desenvolvimento da técnica, as obras de arte são produzidas em massa. O carácter artístico de um filme é, em grande parte, determinado pela sua reprodutibilidade. A obra de arte passa a ter uma característica fundamental: a perfectibilidade. O filme é executado a partir da escolha e da montagem de imagens isoladas; é uma sequência ordenada de imagens. Cada imagem é a reprodução de um acontecimento. O acontecimento não é a obra de arte, nem ao ser filmado. No cinema, a obra de arte surge através da montagem.
Num filme, o actor representa a cena para um grupo de especialistas e para um aparelho, e não directamente para o espectador da sala do cinema. É diante do aparelho que o espectador se exclui de todo o seu mundo para viver a aventura da personagem, como se fosse a sua própria aventura. Os especialistas estão aptos a intervir quando algo não está bem. É esta intervenção que determina toda a produção do filme.


Muito se discutiu sobre o valor artístico da fotografia e do cinema. O valor de culto ao ser ultrapassado pelo valor de exposição fez perder autonomia à arte. Debateu-se muito acerca de ter sido ou não a fotografia a alterar a própria arte. Mas, o aparecimento do cinema é incomparável com a fotografia. Para alguns estudiosos reaccionários, o cinema é superior à fotografia. O cinema possui a dignidade da arte, contendo dados enraizados no culto. Mas, para outros, copiar o mundo exterior impede o cinema de ser arte. O seu verdadeiro sentido está na sua grande facilidade de expressão e grande capacidade de persuasão.

O autor considera o filme como a obra de arte mais perfeita, já que corta com os valores eternos que os gregos tanto produziam.

O cinema foi muito usado no período fascista. É importante referir que Benjamin, antes da publicação do ensaio aqui comentado, dedicou cinco anos antes uma crítica à obra literária fascista. Para ele, a alienação humana chegou a um ponto capaz de provocar a sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem. Citando o autor, eis a estetização da política, como prática do fascismo. O comunismo responde com a politização da arte.
O comunismo (e outros movimentos políticos e ideológicos) não deu a devida resposta ao fascismo e ao nazismo. Pairava no ar a inaptidão em perceber a força e o alcance dos movimentos de massa na Europa.
O culto de exposição gerado pela técnica da reprodução afectou também a política. Deste modo, o cinema constitui um instrumento poderoso da política. Foi através do cinema que os ditadores se dirigiram ás massas, relativamente a assuntos de guerra. Foi a guerra que todos previam o principal impulso para o desenvolvimento da indústria cinematográfica.



A Indústria Cultural
As obras de arte, cada vez mais submetidas às regras do mercado capitalista e à ideologia cultural, são como que uma espécie de mercadoria, reproduzidas em série para o consumo generalizado das massas.
Apesar dos objectos de arte existirem para serem expostos, contemplados, tornam-se algo para ser consumido, de acordo com o controlo económico e ideológico das empresas de produção artística.
A indústria cultural impede a formação de indivíduos autónomos e independentes, capazes de pensar por si próprios, de julgar e de decidir de modo consciente. O consumidor contenta-se com aquilo que a indústria cultural lhe dá. Esta organiza-se para que o consumidor compreenda a sua condição de simples consumidor. É a indústria cultural que instaura a dominação natural e ideológica. Esta caracteriza-se pela ânsia de progresso técnico e científico, tão bem controlado pela indústria cultural.
Já na década de 30, Benjamin deixa claro que nem tudo está bem relativamente ao progresso da indústria. O objectivo do mercado é produzir e principalmente vender, sendo capaz de levar ao extremo a reprodutibilidade técnica das imagens. A técnica moderna apontava para uma arriscada apropriação estética da política. Por sua vez a arte deveria dar uma resposta política. Benjamin tinha esperança de que a fotografia e o cinema se inseriam nessa resposta. Viu nos movimentos vanguardistas nomeadamente no dadaísmo, no cubismo, no futurismo e no surrealismo, um plano opcional para transformar, por processos e por efeitos paralelos aos da técnica, não apenas a produção e a recepção da obra, mas também o gesto artístico, transformando-o em choque. O autor refere esta tentativa como o assegurar uma distracção imensa, colocando a obra de arte no centro de um escândalo público. Só a efectiva penetração da técnica na obra, como no cinema, provocava o verdadeiro choque. Mas, a vanguarda demonstrou-se insuficiente para resolver a penetração da realidade com aparelhagem. Segundo Benjamin, a recepção táctil ordena uma necessidade de adaptação a novas tarefas expostas pelo aparelho de recepção do homem. Estas não têm solução através de meios visuais. Através dos afectos, o homem alcança aquilo que o autor designa por recepção de diversão que permitia fazer coincidir, com no cinema, as atitudes críticas e de fruição.
A arte deixa de ter um reconhecimento tradicional de contemplação, e na perspectiva de Benjamin, passa a ser uma espécie de jogo de comportamento social. O homem era transformado numa espécie de examinador distraído. Via aquilo que lhe era proporcionado pelo cinema e pela fotografia, mas limitava-se somente a ver.
Embora o autor se contente com o facto da aceitação das massas em relação ao cinema e à fotografia, vê um indício de crise nas pretensões que a pintura revela para alterar, como o cinema e a fotografia. Também a pintura modifica as suas condições de recepção e, da mesma forma, dirige-se às massas. O lugar da pintura seria, na sua essência, o de um aqui e um agora, algo que não é compatível com a reprodutibilidade técnica e a apropriação pela massa. Deste modo, a posição do pintor estaria destinada a um vazio irrevogável.

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