sábado, 19 de junho de 2010

SOCIEDADE E COMUNICAÇÃO

Introdução

Com o presente trabalho pretendemos aprofundar a matéria que demos nas aulas sobre o ponto 1 do programa da disciplina Sociedade e Comunicação II nomeadamente a matéria inerente à Comunicação de Massa e Meios de Comunicação de Massa, as noções de Público e Massa e a Teoria Habermasiana da Opinião Pública.
Deste modo, começaremos por apresentar a Comunicação de Massas pela sua definição descritiva e crítico-normativa, recorrendo a vários autores. Numa segunda parte analisaremos a Sociedade de Massa tendo em conta a posição de teóricos versus a posição dos empíricos. Também neste ponto seguiremos alguns autores, com principal incidência no texto de Harold Wilensky Sociedade de massa e cultura de massa. Na terceira parte iremos definir os conceitos Massa e Público recorrendo à ajuda de vários autores nomeadamente o Professor João Carlos Correia, Elias Canetti, Herbert Blumer e José Ortega y Gasset, salientando que normalmente a Massa nos aparece com uma conotação negativa e o Público com uma conotação positiva. Por último, na quarta parte do trabalho, abordaremos os conceitos de Espaço Público e Opinião Pública que surgem no texto Comunicação, opinião pública e poder de Habermas.


Parte I – Comunicação de Massas

1 – Definição descritiva

Podemos definir a comunicação de massas de duas formas: a descritiva, que aponta um conjunto de traços relativamente à comunicação e a crítico-normativa que implica uma crítica à própria comunicação de massas. Vamos começar pela definição descritiva. Thompson, no que diz respeito à comunicação de massas, refere-se à produção e à difusão generalizada de bens simbólicos através da fixação e transmissão de informação ou conteúdo. O indivíduo recebe este conteúdo interpretando-o à sua maneira. Assim, o conteúdo possui vários graus de complexidade, recorrendo a símbolos. No fundo, a comunicação de massas é a produção ou criação por meios industriais e difusão também industrial de bens organizados simbolicamente.
A comunicação de massas abarca meios técnicos e institucionais de produção e de difusão, isto é, abrange toda a tecnologia e maquinaria inerentes ao processo de divulgação das mensagens. Nela há uma mercantilização das formas simbólicas na medida em que as mensagens produzidas dirigem-se ao mercado. A essas formas simbólicas atribui-se um valor económico para que possam ser trocadas. A comunicação de massas estabelece uma dissociação estrutural entre a produção das formas simbólicas e a sua recepção. Normalmente, o contexto de produção é separado do contexto de recepção, o que traz consequências sociais pois na produção os intervenientes estão privados do feedback existente na interacção face a face. A comunicação de massas permite a extensão da disponibilidade das formas simbólicas num tempo e num espaço e ainda, permite a sua circulação pública.
De acordo com Dennis McQuail a comunicação de massas refere-se à produção e à recepção de mensagens para um vasto número de pessoas distanciadas no tempo e no espaço.


2 – Definição Crítico-Normativa

Contrariamente à definição descritiva, a definição crítico-normativa implica uma valorização de algumas das características da comunicação de massas. Nesta medida, o termo «massa» implica uma avaliação negativa para essa forma de comunicação. O Público implica uma sociabilidade activa pressupondo uma certa interacção entre as pessoas.
Assim, na definição crítico-normativa, os conceitos Público e Massa constituem duas formas de sociabilidade contraditórias em que o primeiro é visto de forma positiva e o segundo de uma forma negativa.
Ao conjunto de pessoas passivas que se limitam a ouvir e a não questionar, com tendência para a vulgarização designamos por Massa. Para John Stuart Mill todos estão orientados para as mesmas acções – todos vêem e ouvem as mesmas coisa, vão aos mesmos lugares, têm as suas esperanças e temores orientados para os mesmos objectivos, e os mesmos meios para enunciá-los. Os indivíduos que a compõem só apreendem ideias simples, numa espécie de imagem. Por conseguinte, dá-se o desaparecimento da sociedade consciente e o indivíduo transforma-se num autómato sem vontade.
Hannah Arendt possui igualmente uma visão pessimista da Massa, considerando que acentua a tendência para a atomização. Massa, para esta autora é um grande número de pessoas reunidas em multidões que desenvolvem inclinação para o despotismo. Contrariamente, o Público constitui uma verdadeira maravilha na medida em que permite o progresso na tolerância e na racionalidade.
Gabriel Targo fala numa capacidade performativa dos Públicos já que são constituídos por verdadeiros agentes sociais com acções reflexivas. Não basta unir as pessoas à volta de interesses convergentes. É necessário ter em conta determinados padrões racionais que devem conduzir à acção. Uma excitação relativamente à proximidade física de alguém instala-se nas pessoas. Na Massa a excitação é convencional e fugaz (instala-se num momento e depois passa). Nos Públicos a excitação não resulta de momentos espontâneos pois as suas paixões são mais calculistas.

Parte II – Sociedade de Massa

1. Posição dos teóricos versus posição dos críticos/empíricos

Harold Wilensky no texto Sociedade de massa e cultura de massa[1] assume uma posição crítico-normativa fazendo uma avaliação das características da comunicação de massas. O autor reconhece duas correntes inerentes à comunicação de massas: a corrente dos ideológicos e a corrente dos empíricos. As duas correntes, embora apresentem teorias diferentes acerca da sociedade de massas, interpretam as alterações na estrutura social e cultural provocadas pelo fenómeno da industrialização e, consequentemente, o crescimento das grandes cidades.
Os ideológicos/teóricos[2] estão ligados à tradição filosófica e especulativa europeia (como por exemplo Adorno). A sua abordagem é como se partisse de uma reflexão sem ter em conta a análise experimentada, baseando-se apenas na teoria. Como Wilensky refere, uma das preocupações dos teóricos tradicionalistas é o facto daqueles que possuem a cultura estarem fracos. Este estado de fraqueza é originado pelo declínio do seu isolamento das pressões populares.[3] Outra preocupação está relacionada com a passividade da massa em relação aos movimentos extremistas e ao apelo dos demagogos.
Deste modo, os ideológicos têm uma perspectiva muito negativa acerca da comunicação de massas, alegando que esta tem por base a manipulação, mas nunca recorrem à experiência para provar os seus argumentos. Tratam questões como a debilitação das elites culturais e a ascensão das massas. Devido à vida moderna, à mobilidade social e à heterogeneidade, as pessoas afastam-se cada vez mais dos valores comunitários, ou seja, dos valores inerentes às famílias e aos pequenos grupos. Se assim é, a desordem social torna-se cada vez mais evidente, uma vez que são estes grupos primários – núcleos formadores da boa cidadania - que possuem autoridade e que permitem a manutenção da ordem no seio da comunidade.
Os empíricos/“críticos da mentalidade empírica”[4], instalados particularmente nos Estados Unidos, baseiam toda a sua reflexão em estudos empíricos. As suas abordagens em relação aos mass media são optimistas. Os estudos feitos são pagos e dirigidos a pesquisas em que as amostras são sensíveis a programas televisivos. Mas estes estudos não são uma garantia fiável na medida em que os resultados são pouco científicos uma vez que assentam no senso comum. Os estudos baseados na experimentação tentam demonstrar que, em qualquer sociedade industrial, os grupos primários têm tendência a fortalecer-se e a não acabar, ao contrário do que pensavam os teóricos tradicionais. Wilensky afirma que “as populações urbano-industriais não deixaram de participar de associações, que continuam a multiplicar-se nos EUA e, talvez, em outras sociedades pluralistas.”[5] De um modo geral, podemos dizer que os empíricos são contra as afirmações dos teóricos tradicionais.
A comunicação nunca é dirigida ao indivíduo isolado. Temos que considerar a existência de um fluxo de comunicação em duas etapas – two steps flow. Numa primeira fase atinge os líderes de opinião e são estes que transmitem as mensagens mediáticas, filtrando-as para o resto do público.
Para os teóricos, as massas estão atomizadas e são frequentemente influenciadas por modas e manias. As elites não têm grande preparação e estão desorganizadas. Convertem-se em meros manipuladores políticos permitindo o populismo na política Transformam-se naquilo a que vulgarmente chamamos políticos cor-de-rosa.
Para os empíricos a homogeneização não acontece. Aquilo que se verifica é a existência de gostos e opiniões comuns. Os críticos afirmam que a cultura tornou-se progressivamente acessível.
Estas posições relativamente à comunicação de massas tentam generalizar uma única característica. Mas, a comunicação de massas é ambivalente[6], podendo a mesma característica, assumir-se de diferentes formas. Para os teóricos a diferenciação social persiste e até aumenta. Mas, contrariamente ao que dizem alguns empíricos, a uniformidade cultural cresce, o que contraria ambas as posições. Daqui resulta uma posição em que a comunicação é medida não somente pela descrição de alguns traços, mas também é feita uma avaliação.
Esta definição crítico-normativa remete para a teoria dos efeitos. Nesta medida, é importante conhecer quais os efeitos dos media na comunidade. Ao falarmos numa teoria dos efeitos falamos numa teoria da recepção dos mass media.[7] Quando os efeitos são considerados fortes a recepção é passiva (e vice-versa).
Os teóricos consideram que com o aumento da dispersão das pessoas aumenta também a diversidade sociológica, apoiada pela quebra das referências tradicionais (família e amigos). Os grupos primários e secundários estão cada vez mais enfraquecidos o que origina um maior isolamento das pessoas (que estão cada vez mais fragmentadas). Esta fragmentação/ atomização acontece porque surge uma multiplicação das referências de cada um. Então, a diferenciação social aumenta arrastando consigo o aumento da homogeneização cultural.
Para os críticos da mentalidade empírica/defensores da cultura de massas os grupos primários e secundários têm tendência para se manter. São eles que servem de filtro às mensagens dos mass media. Logo, a diferenciação social e cultural também não aumenta. Assim, também não se verifica uma homogeneização cultural.
Para Wilensky ambas as correntes são deficientes. Este autor entende que a diversidade sociológica aumenta, resultado da quebra das referências hereditárias, mas simultaneamente, há uma grande diversidade cultural. Não existe homogeneidade cultural como se pensava, mas há um aumento da diversidade cultural.
Quando falamos em cultura de massa pensamos nela como se fosse algo de espiritual e não industrial. Mas, de acordo com Thompson a cultura de massa pressupõe a existência de empresas especializadas na distribuição e venda de bens simbólicos, para um público que se encontra separado no espaço e no tempo. Esta situação remete-nos para que as mensagens sejam transformadas em mercadoria – a Indústria cultural.
A cultura de massa é fundamental para a compreensão dos fenómenos culturais e sociais em que surgiu o jornalismo. O jornalismo caracteriza-se pela sua actividade mercantil, com as características da comunicação de massas. É difícil conceber a socialização nas sociedades contemporâneas, sem pensarmos na comunicação de massas. O jornalismo é cada vez mais produzido por indústrias especializadas na produção e difusão das mensagens. Mas, no século XIX, o jornalismo era essencialmente publicista, ou seja, eram divulgadas as opiniões do editor ou do dono do jornal. Nesta altura o lucro era aquilo que menos importava. Não existiam regras na produção jornalística nem uma indústria especializada. As mensagens eram criadas com o intuito de provocar polémicas.
No século XIX a comunicação de massas caracteriza-se pela acessibilidade económica, na medida em que o aparecimento da publicidade faz baixar os custos de produção dos jornais, tornando-os acessíveis a todos e não apenas a um grupo restrito de pessoas. A par disto a comunicação de massas caracteriza-se também pela acessibilidade psicológica provocada pelo aparecimento de uma nova forma de escrita clara, concisa e directa. É a partir destas regras que se criaram as regras de construção das notícias. As notícias só passaram a existir quando os jornais foram lançados para o mercado. Apareceu para responder às necessidades do mercado, para relatar um desvio relativamente à norma. É também nesta altura que surge o chamado jornalismo sensacionalista e a imprensa cor-de-rosa.

III – Massa e Público

Na obra Jornalismo e Espaço Público[8], o Professor João Carlos Correia, apresenta as principais características de Público e Massa que, simultaneamente, constituem as principais diferenças entre as duas designações. No Público tantas são as pessoas que exprimem as suas opiniões como as que recebem. A comunicação pública tem a possibilidade de resposta efectiva a qualquer opinião. A opinião derivada de um debate pode transformar-se numa acção que provoque a transformação social. Por último, os Públicos gozam de autonomia em relação às instituições de autoridade.
No que diz respeito à Massa e, contrariamente à noção de Público, são menos as pessoas que expressam opiniões do que as que recebem; a resposta imediata, pessoal, efectiva é impossível ou muito difícil; a transformação da opinião em acção é heterónoma, ou seja, vem de fora; e, essa heteronomia é preservada pelas forças de autoridade.
De acordo com Elias Canetti[9] na obra Massa e Poder[10] a massa é um fenómeno tão enigmático quanto universal. A sua constituição é muito rápida. Segundo o autor “as pessoas afluem vindas de todos os lados, e é como se as ruas tivessem uma única direcção. Muitos não sabem o que aconteceu e, perguntados, nada têm a responder; no entanto, têm pressa de estar onde a maioria está”.[11] Canetti apresenta quatro características da massa: quer crescer sempre; dentro dela todos são iguais isto significa que todos são valorizados como uma só pessoa; a massa ama a densidade no sentido de quantos mais, melhor; e, precisa de uma direcção.
A teoria da sociedade de massa de José Ortega y Gasset teve maior impacto a partir dos anos 50 do século passado. A segunda Guerra Mundial deixou o Ocidente abalado com a implementação dos regimes ditatoriais, provocando uma alteração nos valores morais e culturais. A massificação teve origem não só nesta mudança dos valores como também no ambiente de agitação e de abalo político que na altura se fazia sentir. Assim, os homens passam a ser vistos de igual modo e deixam de existir grupos de diferenciação.
Na obra A rebelião das massas de 1937 o fenómeno massa é visto como uma só pessoa – o homem massa. Este homem não se valoriza a si mesmo, não questiona as coisas. Este homem perde-se na multidão. O homem massa é banal e não se distingue dos outros homens que constituem com ele a multidão. Para o autor, “a massa é o conjunto de pessoas não especialmente qualificadas, […] é todo aquele que não se valoriza a si mesmo – como bem ou como mal – por razões especiais, mas que se sente «como toda a gente» e, no entanto, não fica angustiado.”[12]
O texto A massa, o Público e a opinião pública[13], de Herbert Blumer, possui elementos importantes no estudo da comunicação de massas pelo facto de definir estes três conceitos e de introduzir o conceito de propaganda. É importante referir que estes são conceitos base nos estudos feitos por Lazarsfeld e Merton na sua obra Comunicação de massa, gosto popular e acção social organizada[14].
Blumer inicia texto afirmando que a massa é um grupo colectivo elementar e espontâneo, em muitos aspectos semelhante à multidão. Os indivíduos que a compõem têm diferentes ocupações/papéis sociais e provêm de diferentes ou de iguais categorias sociais. Isto significa que dentro da massa não se têm em conta a origem dos elementos nem o seu estatuto social. A massa é constituída por um grupo anónimo de pessoas que possui entre si pouca interacção ou troca de experiências. A sua formação é débil já que este grupo colectivo não actua de forma complementar e unânime como a multidão.
O objecto das massas nada tem que ver com os interesses pessoais dos elementos que a constituem. Os indivíduos que a constituem são atraídos para um mundo exterior às suas esferas de vida o que lhes pode provocar confusão e insegurança nas suas acções. O facto dos membros do grupo dentro da massa não conseguirem comunicar entre si verdadeiramente (a não ser que essa comunicação seja limitada e deficiente), faz com que se sintam obrigados a actuar de modo independente.
O modo de funcionamento da massa difere de uma sociedade, já que a massa não possui qualquer espécie de organização social/regras. Cada elemento que a constitui possui um comportamento próprio. Embora os comportamentos individuais não sejam combinados e cada um possa fazer o que bem entende, conforme o seu interesse, dizer que a massa é um grupo heterogéneo é errado. A massa deve ser considerada um grupo homogéneo pois por não possuir uma organização interna o comportamento dos seus membros é impulsivo, natural e básico, assemelhando-se assim à multidão.
Mas, ao formar-se um movimento em termos de união dentro da massa, a sua essência modifica-se. Assim, alcança uma organização particular, direccionada para um comportamento colectivo, onde se adquire uma consciência de grupo. Só neste caso a massa ganha uma determinada sociabilidade.
Com a Industrialização a existência humana transforma-se. As novas técnicas arrastam os fluxos migratórios para as grandes cidades. Indivíduos oriundos do mundo rural vêem o seu modo de vida alterar-se ao serem afastados das suas culturas e dos seus grupos locais. È necessário que se adaptem a novos horizontes. Esta adaptação passa pelas escolhas pessoais e pela aquisição de novos valores. O facto destas escolhas se concentrarem no interior da massa transforma-a em algo de muito poderoso, com grande influência. Assim, o entusiasmo da massa pode aparentar-se com a multidão. A Propaganda, para tentar influenciar a decisão das escolhas do indivíduo anónimo, deve dirigir-se de forma clara e evidente.
Para Blumer o termo Público designa um conjunto de pessoas envolvidas numa dada questão, que se encontram divididas nas suas posições diante dessa questão e que discutem a respeito do problema[15], procurando obter uma opinião colectiva. O facto de existir um assunto que possa ser discutido em grupo permitindo o aparecimento de uma opinião pública constitui uma característica essencial do público. Segundo o autor, esta forma de agrupamento elementar colectivo surge como sendo uma forma instintiva e natural perante uma tomada de decisão. Em comum com a massa e a multidão, o público está desligado de qualquer componente ou padrão cultural que possa influenciar as decisões a tomar, partilhando a presença de uma autoconsciência.
Mas aquilo que destaca a essência do público são as discussões, as opiniões opostas ou as relações de conflito que vão surgindo. Estes debates devem ser baseados nos factos e na argumentação racional. Só assim resulta uma decisão/opinião pública acerca de um determinado assunto.


Parte IV – Espaço Público/Opinião Pública

A opinião pública resulta da discussão e do confronto racional entre grupos com interesses antagónicos. Esta opinião não é necessariamente da maioria e não apresenta uma concordância total. É uma opinião dominante e combinada acerca de um tema, é uma tendência central dos diferentes grupos que compõem o público. No fundo a opinião pública forma-se no seio dos públicos. Os grupos de interesse tentam modificar as opiniões dos membros mais desinteressados. Deste modo podemos perceber que a Propaganda é composta por instrumentos de influência da opinião pública.
A partir do século XVII o conceito de opinião pública/espaço público passa a ser usado frequentemente em questões ligadas à política. Para Kant a opinião pública está relacionada com a discussão livre entre indivíduos que possuam um conhecimento acerca do assunto a discutir ou a debater.
Ao escrever sobre a esfera pública, Habermas[16] refere que no século XVIII o espaço público é entendido como o elo de ligação entre a comunidade civil e o Estado. Os cafés e os salões literários constituíam os locais de reunião onde a classe burguesa debatia temas do seu interesse. Com o Iluminismo, o espaço público passa a ser o espaço de discussão/crítica em relação às decisões do poder. A Imprensa desempenhou um papel importante na consolidação do espaço público, pois permitiu a divulgação de ideias. Esta Imprensa é publicista na medida em que os jornais são constituídos pelas opiniões do editor e/ou proprietário. Todos podiam participar no debate público desde que os seus argumentos fossem racionais e, todos os assuntos podiam ser discutidos. Habermas refere que havia uma certa igualdade no acesso ao espaço público mas, para entrar nesse espaço a igualdade não era tão evidente. O espaço público tornava-se cada vez mais restrito.
Influenciado por Kant, Habermas dá especial valor à razão, à crítica e à Publicidade. No texto Comunicação, opinião pública e poder[17], Habermas considera a existência de uma publicidade crítica e a existência de uma publicidade manipulativa. Ambas são diferentes na medida em que a primeira se dirige à opinião pública e a segunda à opinião não pública.
A publicidade crítica não é somente um facto. É de certo modo uma regra inscrita nos estados constitucionais. Assim, a opinião resulta da discussão argumentativa através do debate. Mas não é apenas uma norma. Desde o século XVIII que o poder deixou de ser absoluto. O poder legislativo vigia o poder executivo. Como norma determina uma parte importante no equilíbrio do poder. Então, a publicidade crítica aparece como algo que observa o resultado e o equilíbrio do poder.
Para Habermas, a política não deve ignorar a opinião pública e deve considerá-la como a verdadeira opinião dos civis. A soberania popular, nos Estados modernos, possui grande importância pois tem a autoridade para decidir acerca dos assuntos que dizem respeito à própria comunidade. O autor refere que Landshut considera que “o lugar da opinião pública é ocupado por uma tendência indefinida e dependente de estados de espírito momentâneos”[18].
O equilíbrio do poder não funciona se as pessoas não seguirem estas regras. É necessário estabelecer um compromisso normativo, pois existe uma oscilação entre facto e norma. O autor considera uma distinção entre as duas formas de publicidade e de opinião para referir a teoria dos efeitos. Neste texto Habermas fala em dissolução psicossociológica. Nesta medida o conceito de opinião pública nunca se concretizou plenamente. A opinião pública baseada na oposição de argumentos racionais é substituída por uma opinião pública virada para serviços e causas.
Por volta se 1960, a opinião pública começa a generalizar-se, deixando de ser a opinião pública de influência Kantiana. Esta evolui e perde a sua tendência crítica. Passa a ser a opinião que mede os cidadãos através das sondagens, medindo a adaptação das pessoas. Está, também, cada vez mais influenciada pelo Marketing político. Para o Liberalismo do século XIX a opinião pública constituía um problema pois podia ser confundida com os preconceitos e as tradições.
Para Habermas as ideias da opinião pública não se cumpriram totalmente, embora tenham exercido influência na estruturação dos estados democráticos. A opinião pública manifesta-se na política através do sistema de votação. Assim, a decisão política estaria transformada em ficção (remete para o conceito de dissolução socio-psicológica). Esta ficção está assente na opinião pública composta por atitudes de pessoas quando são membros do mesmo grupo social. O conceito crítico de opinião pública alterou-se para um conjunto de tendências constituídas dentro do mesmo grupo. Já não se medem polémicas mas simplesmente escolhem-se determinadas atitudes. A opinião de Habermas ganha uma dinâmica grupal, diferente da do público.
Na verdade, a opinião pública já só pretende ser objecto de mediação dos políticos. A questão que se coloca é como manipular as pessoas da melhor forma. A opinião pública consiste numa tarefa de feedback direccionada para obter uma espécie de retorno de modo a ajustar a conduta da informação relativamente às directrizes da política. Assim, a opinião pública já assenta nessa manipulação.
Podemos concluir que a opinião pública já não o é verdadeiramente, embora exista na organização do estado, mas já não é qualificada como tal. É adoptada, é uma opinião não pública. As relações grupais são precisas para obter ainda uma opinião pública, mas não na sua vertente pura, é como se ela fosse uma ficção. Para Habermas o conceito só existe em termos comparativos, para se poder fazer uma comparação entre o que existe e o que existiu no passado.
Nancy Fraser critica Habermas afirmando que este esqueceu a existência de outras esferas sem acesso à esfera burguesa, nomeadamente a esfera pública popular e a esfera pública feminista. Estas esferas também discutiam racionalmente temas do domínio público mas, estes debates, não tinham tanta influência e não apresentavam as mesmas características da esfera pública burguesa. Como é que os temas discutidos na esfera pública são universais se não abordam ideias universais que todos partilham? Então, a universalidade só acontece para os representantes da unidade de Direito. Para que um público seja verdadeiramente público é necessário transformar opinião em acção. É também fundamental que todos tenham acesso à cultura. Fraser afirma que há diferentes acessos à informação e à esfera pública. Considera a existência de públicos fortes e públicos fracos. Os públicos fracos não têm o mesmo acesso à informação como os públicos fortes têm. Nem todos os públicos têm a mesma capacidade de transformar opinião em acção. Só os que estão perto das esferas do poder é que conseguem influenciar as decisões políticas – públicos fortes. Assim há o reconhecimento efectivo das desigualdades sociais.



Conclusão

Toda a comunidade tem a necessidade de partilhar com os indivíduos que dela fazem parte valores simbólicos e comuns. Cada vez mais os meios de comunicação de massa têm um papel activo na partilha desses valores. A nossa vida, construção intelectual e estatuto social são, sem dúvida, influenciados pela informação difundida nos média.
Um dos objectivos do presente trabalho foi apresentar conceitos associados à comunicação de massas. Na primeira parte apresentámos as duas definições da comunicação de massa: a definição descritiva, que se limita a descrever, e a definição crítico-normativa que implica uma valorização. Foi neste sentido que estabelecemos as principais diferenças entre os conceitos Público e Massa.
O conceito de Público está relacionado com a organização de pessoas na discussão de temas. Aqui a recepção é activa e pressupõe a capacidade de pensar.
Contrariamente, a Massa não se preocupa em interpretar as mensagens que os media transmitem, são passivas e facilmente manipuladas. É como se os media fossem considerados tiranos e déspotas e a massa fosse os seus súbditos. A massa está completamente subordinada à recepção.
O facto de termos acesso às mesmas mensagens mediáticas faz com que partilhemos a mesma opinião acerca de um assunto. A teoria do espaço público ou opinião pública confere importância a uma recepção activa das mensagens, questão fundamental na teoria dos efeitos. Habermas anseia a existência de um público com capacidade de auto-deliberação.

Bibliografia

BLUMER, Herbert – A Massa, o público e a opinião pública, in Gabriel Cohn (Org.), Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.

CORREIA, João Carlos – O Espaço Publico e a Indústria Jornalística: comunicação regional, acção social e interacção; Covilhã, 1997 (Tese Mestrado em Ciências da Comunicação).

CAZENEUVE, Jean – Guia alfabético das comunicações de massas; Lisboa, Edições 70.

ESTEVES, João Pissarra - Comunicação e Sociedade; Lisboa, Horizonte, 2002.

ESTEVES, João Pissarra – Espaço Público e Democracia; Lisboa, Edições Colibri, 2003.

HABERMAS, J. – Mudança estrutural da esfera pública, Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1984.

HABERMAS, J. – Opinião Pública e Poder, in Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural.


[1] WILENSKY, Harold, «Sociedade de Massa e Cultura de Massa», Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.

[2] Wilensky, ao longo do texto, refere alguns teóricos tradicionais, nomeadamente Tocqueville, Mannheim, Cooley, Mayo, Lederer, Neumann, De Gré e Émile Durkheim.

[3] Ibid., p.258

[4]Ibid., p.259.
[5] Ibidem.
[6] A ambivalência é um conceito estruturante da comunicação de massas que pretende dizer que não é possível analisar a comunicação de massas como uma única característica e analisá-la como um todo. Assim, não podemos estudar apenas uma teoria dos efeitos, a dos efeitos totais e no outro extremo, a teoria dos efeitos mínimos, pois ambas se verificam. Deste modo, a ambivalência consiste nos efeitos totais e limitados no todo da comunicação de massas. Uma situação torna-se ambivalente quando é difícil de classificar, quando não somos capazes de optar pelas alternativas que nos são apresentadas.

[7] A teoria dos efeitos faz parte da tradição europeia de investigação.
[8] CORREIA, João Carlos (org.) – Comunicação e Poder, Covilhã, UBI, 2002.

[9] O percurso de Elias Canetti (1905-1994), de origem Búlgara, passa por Londres, Viena, Manchester, Lausanne, Frankfurt e Zurique (onde morre). Em 1981 recebe o prémio Nobel da Literatura. O facto de ter assistido na sua juventude às manifestações das camadas populares na adesão ao nazismo influenciou grande parte da sua obra. A elaboração da obra Massa e Poder demorou cerca de vinte e cinco anos.
[10] CANNETI, Elias – Massa e Poder; 1995, São Paulo: Companhia das Letras.
[11]Ibid., pp.14 -15.
[12] GASSET, José Ortega – A Rebelião das Massas. Lisboa: Relógio d’Àgua. P. 224.
[13] BLUMER, Herbert, «A Massa, o público e a opinião pública», Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.

[14] LAZARSFELD, P; MERTON, Robert – Comunicação de massa, gosto popular e acção social organizada; Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.


[15]BLUMER, Herbert, «A Massa, o público e a opinião pública», Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971, p.181.
[16] Habermas foi um dos mais importantes filósofos alemães do século XX. Durante os anos 60 foi um dos principais teóricos e depois crítico do movimento estudantil. É considerado um dos últimos representantes da escola de Frankfurt.

[17] HABERMAS, Jurgen; «Sociedade de Massa e Cultura de Massa», Gabriel Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.
[18] Idem., p.188.

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