sábado, 19 de junho de 2010

RETORICA E PUBLICIDADE

Introdução

O discurso publicitário aos olhos da Retórica caracteriza-se pela existência de um exercício estruturalmente dominante que deixa de ser o referencial, para passar a ser o apelativo. Este exercício retórico publicitário desenvolve-se apenas no discurso comercial no sentido de afirmar uma existência comercial.
A Retórica na Publicidade caracteriza-se por duas dimensões: levar a fazer e levar a crer. A primeira dimensão prende-se com a persuasão do consumidor para a concretização de uma determinada acção comercial (como por exemplo, “Compre”, “ Experimente” e “Adira”). O levar a crer consiste na persuasão do destinatário a propósito de um conjunto de atributos que permite legitimar o produto.
O objectivo do presente relatório consiste em apresentar quatro anúncios publicitários: dois anúncios ilustrativos de um ethos publicitário e dois anúncios que descortinem um tipo de pathos. Saliente-se o facto de que no âmbito da oratória o ethos ser uma emotividade inerente ao orador e o pathos uma emotividade inerente ao auditório.

1 - Marcas Retóricas na Publicidade

A Retórica está presente na Publicidade essencialmente pela presença de duas dimensões: a dimensão argumentativa e a dimensão oratória. A dimensão argumentativa está relacionada com a utilização de argumentos racionais, ou seja, numa fundamentação persuasiva, em que o logos (a palavra) assume um papel fundamental.
A dimensão oratória caracteriza-se pela utilização de marcas não racionais ( o ethos e o pathos). Quando a emotividade remete para o polo do orador estamos no domínio do ethos, quando a emotividade remete para o polo do destinatário estamos no domínio do pathos.


1.1 - Dimensão Argumentativa

A dimensão argumentativa do discurso está relacionada com a dimensão dialéctica do próprio discurso, em que se procura persuadir através de argumentos que mudam de acordo com o género. Podemos dizer que são as marcas racionais que caracterizam o discurso persuasivo.
Assim, há diferentes géneros retóricos aplicados à Publicidade: o género judicial publicitário que remete para o passado, o género epidíctico publicitário que remete para o presente, apesar de poder fundamentar acções no passado e no futuro, e o género deliberativo publicitário que remete para o futuro. Pelo facto deste género se aplicar ao futuro é o mais adequado à Publicidade.
A argumentação publicitária/dialéctica desenvolve-se através de silogismos ou raciocínios que podem ser verdadeiros ou verosímeis. Os silogismos dedutivos parte do geral para o particular e os silogismos indutivos vão do particular para o geral. Os entimemas são argumentos retóricos específicos, em que se esconde uma das premissas e se mantém a conclusão, ou seja, através da omissão de uma das premissas nós conseguimos chegar à conclusão.
De acordo com Olivier Reboul, a dimensão argumentativa presente no discurso publicitário é fraca. O meio de comunicação em que se desenvolve não permite a existência de um início, meio e fim. Por outro lado, em relação às especificidades argumentativas existe uma maior carga sofística na medida em que a Publicidade fundamenta-se numa dimensão discursiva, não importa se é racional ou não.
Outra das questões importantes relaciona-se com a eliminação dos pontos que dizem respeito às questões de tempo e de causalidade. Assim, as circunstâncias e os contextos fazem parte de uma dimensão que pode ou não ser verdadeira. É uma dimensão que pode ser mais ou menos infantil e simultaneamente mágica, ou anti-dialéctica (a dialéctica só se estabelece através da compreensão), o que remete para uma falácia da dimensão argumentativa.
A Publicidade caracteriza-se pela existência de provas intrínsecas e de provas extrínsecas. As provas intrínsecas resultam da invenção e da imaginação do criativo publicitário e as provas extrínsecas estão relacionadas com a possibilidade de argumentar o discurso a partir de factos extra-retóricos, em que existem argumentos de autoridade. Estes argumentos de autoridade são factos reais e são argumentos extra-discursivos. No âmbito da argumentação, para Aristóteles os lugares argumentativos são argumentos-tipo – Topoí. Estes são compostos por frases feitas estereotipadas. Geralmente os Topoí‘s são baseados no futuro. São argumentos da eficácia, da conveniência, da felicidade, do sucesso e da sinceridade. Pretendem resolver um problema que leve a um futuro melhor. Cada género possui os seus topoí‘s baseados numa existência comercial, em que o produto ocupa uma dimensão central.
Existem Topoí´s judiciais, epidícticos e deliberativos. Os epidícticos estão relacionados por exemplo com a virtude e com a cortesia; os deliberativos estão relacionados com uma premissa básica: a felicidade e tudo o que lhe está subjacente – tranquilidade, poupança, segurança, economia, beleza, comodidade, conforto e paz. Aparece o produto-ferramenta que persuade para o consumo e que pretende resolver um problema, como que uma solução.


1.2 - Dimensão Oratória

O ethos publicitário implica a existência de um orador. Na Publicidade não há oradores mas actores que se vão assumir como oradores. São pessoas delegadas pela marca para a representarem no âmbito do processo comunicacional. São porta-vozes que falam pela marca. Mas há situações em que a marca se assume como orador. Isto acontece quando a marca recorre a mascotes que se pretendem eternizar como sendo características só do produto que representam. Esta situação implica sempre uma subjectivação do produto, como por exemplo é o caso do coelho da Nesquik, o tigre da Kellogs, o cão Pico da Chocapic.
Porque é que o ethos é tão importante? Porque consegue imprimir marcas pessoais e qualidades do produto. Pegando no exemplo da Kellogs, não é por acaso que aparece um tigre associado à. Marca. O tigre atribui-lhe determinadas marcas pessoais. É como se a mascote fosse introduzindo marcas na marca e fosse recebendo marcas dessa marca. Deste modo, pode também atribuir qualidades que o auditório quereria ter: o tigre simboliza a potência e a vivacidade que se pretende nos jovens. No fundo, são qualidades de natureza metonímica em que o público se revê mas que estão num patamar superior. É importante referir a existência de um Star System publicitário, isto é, a existência de celebridades que oferecem a sua notoriedade e reputação ao produto que se pretende anunciar. É a presença da estrela que sustenta a compra do produto.
O anúncio I (ver anexos) é ilustrativo da existência de um ethos na medida em que a actriz toma o lugar do orador, a actriz representa a marca. O facto de ela ser uma pessoa conhecida (Susana Feitor – atleta Olímpica de Marcha) faz com que os seus atributos/qualidades sejam identificados mais facilmente. A imagem negativa do fast food é contrariada pela imagem saudável da actriz. Esta oferece a sua notoriedade e os seus atributos (vitalidade, credibilidade, saúde, energia, dinamismo, confiança, boa forma física) de modo a classificar a nova gama de produtos do MacDonalds – uma comida saudável e nova, adequada a pessoas que se preocupam com a saúde e bem-estar.
O Anúncio II (ver anexos) à semelhança do anúncio anterior é representativo do ethos na medida em que há um actor a representar a marca. Neste caso, temos as mascotes da marca que tomam o mesmo lugar, o lugar de “orador”. As mascotes (Luísa e João) funcionam como porta-vozes da marca (Confort – Fast Dry), excluindo a possibilidade da existência de um actor real (como no exemplo anterior em que tínhamos uma atleta a “dar a cara” pela marca). As mascotes dão atributos à marca mas, por sua vez, também recebem atributos da marca. Como eles vivem no mundo da fantasia, no mundo dos bonecos, tudo para eles é muito fácil. Deste modo, eles emprestam essa “facilidade” ao produto. Com este produto será também fácil secar a roupa. Em contrapartida, eles próprios são “cobaias” da marca, assumindo as suas características – a suavidade. Há reciprocidade entre marca e mascotes. A forma como eles estão dispostos no estendal e o facto do João ter tempo para jogar (tantas vezes) ao jogo do Galo, constitui uma paródia ao tempo que a roupa demora a secar. O facto da marca usar um tipo de mascote – bonecos de pano que vivem num mundo todo ele feito de pano remete para um cenário infantil de imaginação e graça.
O pathos corresponde à pré-disposição do público que determina a natureza das mensagens e a natureza do ethos. Esta emotividade é inerente ao auditório, e é mediada pela existência comercial dos produtos. Do ponto de vista publicitário, esta emotividade é maioritariamente económica e, no género deliberativo, está associada às necessidades.
Pode decorrer uma emotividade negativa inerente à vivência da necessidade, ou uma emotividade positiva relacionada com o lugar ou premissa base da dialéctica, com a satisfação da necessidade.
Na oratória há uma interacção entre o pathos e o ethos. O ethos é desenvolvido para calcular um determinado pathos (confiança).
O anúncio III (ver anexos) é ilustrativo do pathos na medida em que o headline remete directamente para a emotividade que se pretende provocar no auditório: “LUX desperta a estrela que há em si”. Esse despertar da estrela é exactamente o pathos, ou seja, é a emoção que se pretende produzir através do procedimento discursivo, uma emoção de índole publicitária. Neste caso é a curiosidade de conhecer o produto, a simpatia, a vontade de, através do produto, adquirir algumas das características da actriz, as características que nos são transmitidas pelo ethos: requinte, glamour, charme, feminilidade, brilho. Os signos que suportam esse glamour são a roupa (alta costura), o resultado de um estilo cromático: gama de cores, brilhos na roupa e nos materiais, e na própria pele dela, as jóias, adereços; penteado (cabelo solto, ondulado).
É uma mulher do século XXI (Sarah Jessica Parker), independente, informada, preocupada com a imagem, que dá corpo para despertar nas outras mulheres do século XXI o seu desejo de ser também uma estrela. A mulher comum é a própria estrela que usa a LUX.
O anúncio IV (ver anexos) é outro exemplo de anúncio para o pathos, ele vai suscitar emoções no receptor (auditório). Assim, em nós suscitam um sentimento de desconforto perante a provocação/ intimidação, suscitado pela postura deles. Pode também provocar indiferença aos mais distraídos.


Conclusão


A Retórica de Aristóteles privilegia os meios ou os recursos persuasivos de que se vale o orador para convencer o auditório. A técnica utilizada pelo orador abrange os meios que o orador inventa para incorporar a sua própria argumentação ou discurso relacionando-as com as instâncias da relação retórica: o ethos, inerente ao carácter do orador; o pathos, inerente às emoções do auditório e logos, inerente à argumentação.
No que diz respeito ao ethos, o carácter do orador é, sem duvida, fundamental já que uma pessoa conceituada e íntegra ganha, de uma maneira mais fácil, a confiança do auditório. Deste modo, o auditório ganha uma maior predisposição para ser persuadido.
Em relação ao pathos é necessário reconhecer que a emoção que o orador consegue transmitir ao auditório é determinante na decisão de serem a favor ou contra aquilo que se defende, ou no caso da Publicidade, se pretende vender.
Por último, o logos é a parte fundamental da oratória na medida em que se aplicam as principais regras e princípios da técnica retórica. É no domínio do logos que se dá a fundamentação persuasiva da reputação e decisão publicitária.



Iconografia

Confort [Fast Dry]. s.l., Confort, 2004

Lux [Desperta a estrela que há e si]. s.l., Lux, 2004

MacDonalds [Comida saudavel]. s.l., MacDonalds, 2004

Tiffosi [Sweet Fashion]. s.l., Tiffosi, Spring summer 2004


Bibliografia


Activa; Lisboa, Maio de 2004

Lux Woman; Lisboa, Junho de 2004 (39)

Ragazza; Lisboa, Maio de 2004

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